Nessa postagem, que é uma cópia do trabalho que desenvolvi para a matéria de Literatura Brasileira do curso de Letras, estabeleci uma comparação da narrativa do livro “Viagem ao Brasil” de Hans
Staden e do épico “I-Juca-Pirama” de Gonçalves Dias. É importante saber que a obra de
Hans Staden se trata de um texto informativo, sendo considerada Literatura de
Informação, em que o caráter descritivo tem imensa predominância. Sobre a
segunda obra, trata-se de um poema épico no qual o caráter estilístico está
empregado fazendo com que a obra não seja apenas um registro de costumes, mas
sim uma arte que além do conteúdo possui uma forma de elevado grau.
Na primeira e segunda estrofe do
poema já se percebe uma glorificação dos indígenas e da natureza brasileira,
que tanto se observa na obra de Staden como em outros documentos histórico, em
exemplo a carta de Pero Vaz De Caminha.
Ao
relatar que “Os velhos sentados praticam d’outrora”, Gonçalves parece
referenciar um fato narrado por Staden, o qual dizia que os chefes se sentaram
ao luar para conversarem, e, na representação gráfica presente no livro de 1930,
estes aparecem fumando.
Sobre
o ritual que é feito para a preparação do prisioneiro, percebe-se imensa semelhança
das descrições do épico de Gonçalves com os fatos narrados por Staden como por
exemplo: a dança realizada pelas mulheres ao redor do prisioneiro, cantando a
morte deste e provocando-o; a bebida cauim
que preparam e bebem antes da cerimônia; a corda muçurana com a qual o prisioneiro é amarrado no centro da festa; a
ato de convidar tribos vizinhas para o ritual de antropofagia; a fogueira que é
acesa na frente do prisioneiro; o preparo do ivirapema, pintando-o e
adornando-o com penas; o escalpelo e o tingimento dos membros da vítima,
realizado pelas mulheres; a saia enduape,
feita de penas, que põem no índio refém; o canitar
emplumado também colocado no índio. Pode se observar todas essas semelhanças
citadas no texto Staden (1930, p.87): “Convidam
então os selvagens de outras aldeias para aí se reunirem naquela época”;
“Enchem todas as vasilhas de bebida[...]”; “[...]conduzem o prisioneiro uma ou
duas vezes pela praça e dançam ao redor dele”, etc. Também se encontra no
poema de G. Dias, “Convidam-se as tribos
dos seus arredores”; “Acerva-se a lenha da vasta fogueira/Entesa-se a corda da
embira ligeira/Adorna-se a maça com penas gentis[...]”, etc.
No
verso “Que soube ufano contrastar os
medos/Da fria morte” pode-se compreender que esse enfrentamento do medo, e
morte com orgulho tem relação com o fato de o prisioneiro “atirar pedrinhas”
nas mulheres que o provocam, e defender-se prometendo vingança dos seus
semelhantes para com a tribo que está a assassinar lhe (STADEN, 1930, p. 87).
Trata-se, portanto, de morrer honradamente.
Coerente é a descrição de Gonçalves
ao índio encarregado do assassínio, pois, segundo Hans este índio era
geralmente de grande prestígio na tribo [...] aquele que deve matar o prisioneiro vai com
14 ou 15 dos seus[...]”. Daí o belo semblante desse guerreiro descrito por
Gonçalves, “Em larga roda de novéis
guerreiros/Ledo caminha o festival Timbira/ A quem do sacrifício cabe as
honras[...]”.
O
canto IV do poema é cantado pelo índio que fora aprisionado, logo antes disso o
índio encarregado de mata-lo diz-lhe "Dize-nos
quem és, teus feitos canta/Ou se mais te apraz, defende-te". Muito
semelhante ao comportamento que Staden descreveu de os dois envolvidos,
assassino e prisioneiro, trocarem insultos.
Após o discurso do índio preso, o
chefe Timbira manda-o soltar no poema. Não fora, porém, de piedade, mas porque
o índio tupi, aprisionado, chorou perante a sua morte e como bem recita o chefe
da tribo: “[...]E tu choraste! ...parte;
não queremos/Com carne vil enfraquecer os fortes. ” Esse gesto mostra que
honra do guerreiro deve ser posta à prova, daí as provocações citada por Staden
(1930, p.88) “dão lhe pedrinhas para ele
arremessar sobre as mulheres que andam em volta ameaçando devorá-lo.” Tudo
isso para que o índio a ser devorado mostrasse sua honra na morte, defendendo-se, jurando vingança e morrendo com honra, para que desse modo –como eles acreditavam– pudessem incorporar a energia ele, assim que o
devorassem.
O culto da morte é tão glorificado
quanto a vida dos indígenas, segundo Staden o índio a ser morto defende a si
mesmo “Depois de morto, tenho ainda
muitos amigos que de certo hão de me vingar” (STADEN, 1930, p. 88). Isso
esclarece a atitude do velho, no poema épico, de levar seu filho a tribo dos
inimigos timbiras para que se cumpra o ritual, após ter percebido que este
fugira em nome de seu pai. E também justifica a atitude de o índio lutar
bravamente no canto IX, pois o chefe da tribo timbira havia-o precedido estas
palavras: “É teu filho imbele e
fraco! [...]Ele chorou de cobarde/Nós
outros, fortes Timbiras/Só de heróis fazemos pasto. ”; desmerecendo seu
espírito valente e deplorando-o como vil.
Referências:
STADEN,
Hans. Viagem ao Brasil. Tradução de:
LOFGRAN, Alberto. Rio de Janeiro: Oficina
Industrial Gráfica, 1930.
DIAS,
Gonçalves. “I-Juca Pirama” Poemas de
Gonçalves Dias. Ed. Péricles Eugênio da Silva Ramos. São Paulo: Cultrix,
1980.
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